Resumo:
Ao longo dos anos, diversas produções científicas debruçaram-se sobre
diferentes concepções de narrativa. Via de regra, teóricos admitem a divisão
entre a narração literária e a narração não literária. Em pouco mais de uma
década, a narrativa tornou-se o objeto de interesse de um grande número de
novas investigações. Muitas delas estão de acordo com a visão segundo a qual
não se trata apenas de um novo objeto de investigação, como as histórias que as
crianças contam, discussões em festas e jantares em diferentes ambientes
sociais, relatos de doença e de viagens ao exterior, autobiografias, as
retóricas da ciência. Baseando-se nos estudos estruturais da narrativa de
Lefebvre(1975), o presente artigo busca tecer algumas considerações sobre os
conceitos científicos da narrativa e promover uma descrição acerca da tipologia
dos personagens de ficção. Ainda usando como base a narrativa literária
ficcional, abordaremos também os aspectos conteudísticos e formais desse gênero
literário comumente lido. Por fim, analisaremos como o espaço e o tempo são
observados nas narrativas ficcionais e sobre quais perspectivas essas
narrativas ficcionais são contadas – foco narrativo.
Palavras-chave: Teoria da Literatura. Estrutura da Narrativa. Tipologia. Tempo. Espaço.
Palavras-chave: Teoria da Literatura. Estrutura da Narrativa. Tipologia. Tempo. Espaço.
1.
Introdução
De
maneira superficial e genérica, a narrativa pode ser entendida como um texto
verbal que conta uma história através de um discurso realizado por um narrador
que, antecipadamente, já a conhece. A partir dessa definição, podemos tomar
como base histórias e/ou narrativas literárias ou não literárias. Porém, a
narrativa literária caracteriza-se pelo seu cunho ficcional. Sendo assim, a expressão “uma
história contada por alguém” torna a definição de narrativa inconclusa,
principalmente quando se tem um fim de estudos próprio. Por isso, aos analisarmos o prisma ficcional,
tomaremos como ponto de partida a existência de formas específicas sob as quais
as narrativas literárias se apresentam. Segundo
Lefebvre (1975), a narrativa ficcional é vista como um paradoxo entre o real e
o fantástico. O que é contado poderia ter acontecido no mundo sensível, mas não
aconteceu. Ainda de acordo com Lefebvre (1975), a ficção é a visão de mundo de
um determinado sujeito sobre o mundo que ele vive sem que, necessariamente,
aquilo tenha acontecido no plano concreto, pois, na narrativa ficcional, há uma
particularidade funcional. A ficção transmite uma determinada visão da
realidade em espaços e tempos psicológicos. Além disso, há uma tipologia específica
para os personagens da ficção.
2. Narrativa de
ficcão
A narrativa de ficção diferencia-se das demais narrativas porque se
constrói de modo a emocionar e trazer um grau de similaridade com o real -
apesar de se tratar do mundo ficcional. Ao lermos, por exemplo, um romance, conto
ou uma novela, sabemos, de maneira intuitiva, que alguém criou a história e que
essa história está sendo vivida por personagens fictícios. Todavia, aos lermos, a narrativa de ficção nos provoca
sensações de medo, angústia, felicidade,etc. Ou seja, apesar da consciência do
ficcional, nossas emoções não ficam à margem, pois a realidade interna se
sobressai. No "mundo da ficção", a realidade interna é
mais ampla que a realidade externa, concreta, que conhecemos. Através da ficção
podemos, por exemplo, nos transportar para um mundo futuro, no qual certas
situações que hoje podem nos parecer absurdas, são perfeitamente aceitas como
verdadeiras. Entretanto, as narrativas fantásticas,
em que tudo pode acontecer, também, nos remetem a outra realidade, bem mais
ampla da que vivemos. Nestes casos, os textos narrativos, apresentam uma lógica interna que acabamos
aceitando como verdade. Alguns teóricos batizam essa lógica interna de suspensão
voluntária da descrença, para exemplificar essa suspensão. De acordo com
Lefebvre (1975), para o leitor prosseguir na leitura dessas narrativas é
necessário que ele suspenda temporária e voluntariamente a sua descrença e
aceite, como um fato da realidade, uma personagem transformada em um inseto
horroroso e um defunto que resolve contar suas memórias. Já o enredo é o elemento da narrativa ficcional que
dá conta da causalidade. Basicamente, a diferenciação entre o enredo e a
história da narrativa se dá pela pergunta que o leitor faz diante da história e
a que faz diante do enredo. Sobre aquela ele pergunta e depois?,
frente ao enredo ele indaga por que?. Geralmente, a história
permanece imutável, porém há uma visível mudança no enredo, observada pelos
efeitos de causalidade das ações. O enredo passa a ser o modo de organizar essa
história, jogando com os conhecimentos que o leitor possui.
3. O foco
narrativo
O
foco narrativo caracteriza-se por ser o ângulo sobre o qual o narrador se
posiciona em relação ao fato narrado. Nesse sentido, a narrativa pode ser feita
por um narrador que participe desses fatos, fazendo uso de verbos na primeira
pessoa; ou também por um narrador que presencia o fato, mas não participa das
ações.
Os críticos norte-americanos, Cleanth Brooks e Robert Pen, estabeleceram
um quadro sinótico formado por quatro focos narrativos:
2. Uma personagem
secundária conta a história da personagem principal - foco narrativo na primeira pessoa ou interno.
3. O Narrador conta
a história como observador - foco narrativo na terceira pessoa ou externo.
4. O escritor,
analítico ou onisciente (sabedor
de tudo), no papel de narrador, conta a história - foco narrativo na terceira
pessoa.
Observaremos, posteriormente, que cada um desses focos trará vantagens e
desvantagens ao ficcionista, pois irão favorecer ou limitar seu ângulo visual
em ralação ao panorama da história. O escritor terá de optar por um deles. E se
a opção se ajustar à história a ser narrada, é o quanto basta pare ele,
ficcionista, e para nós leitores.
O Foco Narrativo será Interno ou na Primeira Pessoa (eu), se o narrador participa dos acontecimentos
da história. É, portanto, um narrador com dupla função, ou seja: é narrador
e personagem ao mesmo
tempo. No geral, ele será protagonista; visto que, como
personagem secundário (que conta a história do protagonista), raramente é
usado. Sendo protagonista, o narrador recebe melhor destaque. No entanto,
a área da narrativa fica circunscrita exclusivamente ao narrador, isto é, um
tanto limitada, pois se trata de sua história.
Porém, nas narrações em primeira pessoa,
o narrador protagonista tem uma visão própria, individual dos fatos. O que
implica em uma visão muito reduzida das coisas, porque ele se vê
impossibilitado de dispensar às demais personagens a mesma atenção que dispensa
a si próprio. A principal característica desse foco narrativo é, então, a visão subjetiva e limitada que o narrador
tem dos fatos.
Mas o Foco Narrativo Será Externo ou na Terceira
Pessoa se o
narrador somente observou, testemunhou os acontecimentos. Assim, a narrativa
será feita por um narrador-observador. O narrador,
agora, não simula um indivíduo, vê-se compelido a contar apenas o que observou.
Não conhece o pensamento, nem o passado das personagens. Não invade o íntimo da
personagem para comentar o comportamento dela. Exprime uma visão incompleta
porque narra à história como mero expectador; seu relato tende a ser mais
imparcial e objetivo.
• O
narrador-intruso, uma
variante de narrador em 3ª pessoa, mesmo não sendo personagem, não participando
da história, "tece" comentários em primeira pessoa,
ou seja, fala com o leitor ou julga diretamente o comportamento das
personagens.
• O
narrador-parcial (outra variante) se identifica com determinada
personagem da história e, mesmo não a defendendo explicitamente, permite que
ela tenha maior destaque na história. É o que ocorre no romance Capitães da Areia, de Jorge
Amado, no qual o narrador se identifica com os heróis da história, em especial,
com Pedro Bala, contrariando as demais personagens que os vê como bandidos.
Por fim, podemos conceituar também o foco narrativo
externo ou externo onisciente. Nesse foco, o narrador vê o que nenhum
personagem tem possibilidades de enxergar. Ele é um demiurgo (um deus que tudo sabe). Não seria sem razão dizer que
o escritor tornou-se o narrador, pois, é ele quem tem conhecimento de tudo;
3.1 Personagens
A narrativa literária
ficcional predispõe de personagens que irão agir e compor o material da
narrativa. As personagens podem ser vistas de acordo com a sua funcionalidade
dentro da diegese aristotélica. O
personagem encontra-se no papel de sujeito que quer alguma coisa (objeto),
sendo ajudado por algo ou alguém (adjuvante) e impedido por algo ou alguém
(oponente). O destinador é aquele que comunica ao destinatário um objeto de
natureza cognitiva – o conhecimento do ato a cumprir – e um objeto de natureza
modal – o querer que o institui como sujeito. Dessa
forma, as personagens podem ser concebidas como planas ou redondas. As planas
se caracterizam por apresentarem as mesmas características durante toda a
narrativa, enquanto as redondas por mudarem de características durante o
decorrer da história. As personagens planas não apresentam nenhuma novidade
durante as ações, agem sempre da mesma forma. Ao longo da narrativa, se ela
apresenta bem as personagens, poderemos prever as atitudes de uma personagem
plana, pois elas passam a ser estereótipos. As personagens redondas, ao
contrário, nos surpreendem ao longo da história
4. O tempo e
espaço na narrativa ficcional
As ações das diversas
narrativas ocorrem em um tempo e espaço que podem ou não ser determinados,
claramente, pelo leitor comum. No que diz respeito ao tempo da narrativa
ficcional, o que nos importa não é traçar em quanto tempo ocorre à história e
como o tempo é tratado pelo discurso do narrador. Quanto à duração ou
delimitação da época do mundo sensível se passa história, devemos prestar
atenção nas datas, nos termos (índices) que dão idéia de temporalidade (amanhã,
naquele dia, na manhã seguinte, etc.) e nos costumes e ações características de
determinada época. Quanto ao tratamento dado no discurso do narrador acerca do
tempo, é preciso observar a linearidade ou não-linearidade temporal. A linearidade
temporal corresponde ao narrador contar os acontecimentos na ordem em que foram
acontecendo, como se se traçasse uma linha do tempo (igual aquelas usadas,
geralmente, em aulas de História). A não-linearidade se manifesta quando o
narrador resolve contar os acontecimentos fora da ordem em que ocorreram, conta
o final antes do início, o meio antes do início e assim por diante, ou, no meio
do discurso, faz uma volta no tempo para contar algo que havia esquecido. A linha de tempo é
quebrada pelo narrador fazendo com que ele recorra a voltas e, dessa forma, faz
com que a narrativa seja não-linear.
A
espacialidade narrativa deve ser compreendida nos âmbitos de espaço e
ambientação. A ambientação da história poderá trazer informações adicionais
sobre as personagens como classe social, faixa etária, preferências, modo de
vida, estado interior. É característico de algumas narrativas literárias a
ambientação de uma cena de acordo com o estado interior das personagens;
sujeitos tristes em ambientes sombrios – céu nublado, árvores secas –, por exemplo,
ou, então, com as ações; ambiente mórbido em locais de assassinatos. O espaço,
de modo geral, deve ser compreendido como espaço físico, como um mapa em que
ocorre a ação. É no mapeamento do espaço físico com todas as suas minúcias que
chegamos à ambientação, reunindo fatores indiciais. Estes passam a indicar
emoções de personagens e produzem, com sua relação com a ação, estados emotivos
variados sobre a percepção estética do leitor, fabricando estados emocionais
diversos que dependerão, sobretudo, do nível de leitura e envolvimento do
leitor com o texto literário.
5. Considerações Finais
Ao pensarmos nas narrativas literárias,
provavelmente estudaremos também as narrativas literárias ficcionais, pois elas
exprimem com êxito o universo ficcional, fazendo relação com o real e concreto.
Dessa forma, os personagens da narrativa tornam mais evidente à ficção, pois a
partir dele nossos pensamentos enquanto leitor. Assim, essa narrativa alcança o
status de real, ao passo que permeiam nossas mentes de uma maneira visível.
Referências
ARAÚJO, William. Teoria da Narrativa – Algumas Considerações.
Disponível em: < http://geprocessos.wordpress.com/2011/08/25/teoria-da-narrativa-%E2%80%93-algumas-consideracoes/>. Acessado em 15 de janeiro de 2014.
BARTHES, Roland. et alii. Análise estrutural da narrativa. Petrópolis: Vozes, 1973.
ECO, Umberto. Seis
passeios pelos bosques da ficção. Tradução de Hildegard Feist. São Paulo:
Companhia das Letras, 1994.
LEITE,
Ligia Chiappini Moraes . Invasão da catedral: literatura e
ensino em debate. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983.
LEFEBVRE, Jean-Maurice.
Estrutura do discurso da poesia e da narrativa. Tradução de
José Carlos Seabra Pereira.
Coimbra, 1975.
[1] Graduando em Letras (Espanhol) pela
Universidade Federal de Pernambuco. O presente artigo foi desenvolvido na
disciplina “Teoria da Literatura I: Formação”, ministrado pelo Prof. César
Giusti durante o segundo semestre letivo de 2013. Agradecemos aos Prof. César
Giusti por suas sugestões e comentários, que contribuíram bastante para a
escrita deste trabalho.