“O homem sentiu sempre – e os poetas frequentemente cantaram – o poder fundador da linguagem, que instaura uma realidade imaginária, anima as coisas inertes, faz ver o que ainda não é, traz de volta o que desapareceu”.

Émile Benveniste

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terça-feira, 21 de outubro de 2014

Poesia da Sociolinguística

To chei do brasileiro comedido
Do paradigma bem monitorado
Do português que não me representa

É claro, não falamos português
Falamos brasileiro
Tou farto das ênclises obsoletas
Das correções portuguesas

Abaixo ao acefalamento.

Quero agora o brasileiro do pobre
O brasileiro do bêbado
O brasileiro das mesa

As principais visões de língua,texto e sujeito e seus desdobramntos nos livros didáticos


É fulcral uma análise intricada sobre as relações entre língua, texto e sujeito uma vez que as reflexões sobre o funcionamento da língua não se separam da noção de sujeito que temos.  (MARCUSCHI, 2008 p.68)   Com essa perspectiva, analisaremos as três principais concepções de língua e como esse conceitos podem conduzir as atividades de compreensão textual nos livros didáticos de Língua Portuguesa (LDP). 
Num primeiro cenário do pensar a língua, ela era tida como uma representação do pensamento e/ou uma estrutura de pensamento. Desse modo, desvincula-se a língua de seus aspectos mais importantes – histórico e social. Nessa perspectiva, o sujeito-autor exerce total domínio sobre o sentido do texto, sendo assim, um pensamento bem representado produzia, certamente, um texto bem compreendido. Tornando nula a participação do sujeito-leitor na construção do sentido.  Dessa maneira, o texto aparece como uma expressão do pensamento.                                                                                                                       Apesar da base filosófica, esses antigos conceitos de língua texto e sujeito ainda norteiam algumas práticas docentes. E, consequentemente, conduzem as atividades de compreensão textual nos LDP. Um exemplo dessa abstração pode ser visto em perguntas do tipo: O que o autor quis dizer? O que significa esta obra? Como dito, proposições como essas sugerem que o texto reflete integralmente a intenção do sujeito-autor (dono do sentido). Sobre essa problemática, Koch (2002) afirma que o sujeito, para essa concepção, é “dono de sua vontade e de suas ações”. Porém, faz-se necessário afirmar que a própria língua é sensível “à realidade sobre a qual atua, sendo-lhe parcialmente prévio e parcialmente dependente esse contexto em que se situa.” (Idem, p.61).                                                          Num segundo momento histórico, a língua era pensada como uma junção do código e estrutura, trazendo o texto como mero produto advindo da codificação efetuada pelo emissor. Sendo assim, o poder do sentido encontra-se na própria superfície textual fazendo dos sujeitos simples emissores e/ou receptores.  Nela, estarão – hipoteticamente- todos os possíveis sentidos dos textos que serão decodificados pelo receptor, dominante do mesmo código. Logo, apresenta-se uma similaridade com a concepção de língua anteriormente apresentada, pois ambas desprezam o contexto sócio-historico-cultural-usual. Sobre isso, Marcuschi (2008 p.60) postula:

“quanto à perspectiva que trata a língua como instrumento, a posição não parece razoável pelo fato de não atingir nenhum nível de abstração desejável pelo fato de desvincular a língua de suas características mais importantes, ou seja, seu aspecto cognitivo e social. Além disso, tem como conseqüência a idéia de que a língua é um instrumento transparente e de manuseio não problemático. A compreensão se torna algo objetivo e a transmissão de informações seria natural. Essa perspectiva é pouco útil, mas muito adotada, em especial pelos manuais didáticos, aos tratarem os problemas da compreensão textual. Essa posição é muito comum nas teorias de comunicação em geral. É uma das visões mais ingênuas.”                 

Alguns autores que enxergam a língua como código compartilhado chegam a formular maneiras descontextualizadas de se fazer sentido em qualquer língua natural. O sujeito-autor é tido como remetente, o sujeito-leitor é denominado destinatário e o texto chama-se mensagem.
No exemplo que se segue, podemos visualizar a noção de texto que prioriza a superfície textual; os aspectos estritamente linguísticos e o sujeito como lançador do sentido – também chamado de emissor- e leitor como decodificador do código compartilhado, bem como a de língua como código em um exercício do LDP intitulado Linguagens, Códigos e suas Tecnologias:

Figura 1. Exercício de Língua Portuguesa numa perspectiva língua-código.

Fonte: Site do Colégio Objetivo.[1]


É importante reconhecer que os autores dos LDP que seguem essa perspectiva fazem uso de um relevante número de trabalhos em compreensão textual. Porém, o “problema não é a ausência deste tipo de trabalho e sim a natureza do mesmo” (MARCUSCHI, 2001). Nessas atividades, a leitura e compreensão é uma atividade linear focada no texto na qual “tudo está dito no dito” (KOCH e ELIAS, 2010 pg.10).            
 Por último, temos uma visão interacional (dialógica) da língua, na qual os sujeitos são vistos como atores/construtores sociais. Distinto das perspectivas anteriores, o sentido do texto passa a ser construído pelo homem social, pois o texto é resultado de um constructo da relação do eu com o outro. Percebemos, então, um grau de responsabilidade mutável e negociável entre quem lê e entre quem produz algo passível de leitura. Dessa forma, não há como dissociar texto de contexto histórico-social.
Nessa vertente de pensamento linguístico, não se deixa de admitir que a língua seja um sistema simbólico, contudo ela tomada como um atividade sociointerativa desenvolvida em contextos comunicativos historicamente situados. (MARCUSCHI, 2008.p.61)
No Brasil, apesar de ainda termos inúmeros docentes com uma antiga visão de língua – muitas vezes devido a fatores como a não atualização dos conhecimentos da grande área de Letras, outras por não realizar formação continuada, e às vezes por achar mais cômodo-, podemos afirmar que, hoje em dia, a maioria dos LDP (sobretudo das escolas públicas) é produzido com essa defesa da língua-dialógica. Com isso, os exercícios do LDP concebem a relação trifásica autor-texto-leitor. Como demonstraremos no exemplo abaixo:

Figura 2: Exercício de Língua Portuguesa numa perspectiva dialógica-interacionista.
Fonte: Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro. Disponível na Internet.[2]





Ao pedir ao aluno os significados possíveis que pode ser atribuídos em uma letra de uma música de Chico Buarque, o leitor depositará toda sua carga sócio-cultural. Porém, vale salientar que, diferente do que alguns críticos conservadores da mídia[3] afirmam “nem tudo é válido” na língua. No momento de defender determinadas ideologias deve-se buscar elementos linguísticos e extralinguísticos que apontem para um eixo comum de opinião – como sugere a  segunda proposição da atividade.                                                         

Com esse tipo de pensamento, os alunos estabelecerão um maior grau de importância aquilo que de fato se lê, e poderão usar essas leituras em todos os outros ambientes comunicativos – não somente em espaços físicos e formais de aprendizagem.


REFERÊNCIAS

MARCUSCHI, L.A. Compreensão de Texto: algumas reflexões. In: DIONISIO,A.P. e BEZERRA, M.A. (Orgs.) 2001. O Livro Didático de Português: múltiplos olhares. Rio de Janeiro, Ed. Lucerna.           

MARCUSCHI,L.A. 2008. Produção Textual, Análise de Gêneros e Compreensão. São Paulo, Parábola.

KOCH, I.V. e ELIAS, M.V. 2010. Ler e Compreender os Sentidos do Texto. São Paulo, Editora Contexto.


[2]  Disponível em <http://www.portugues.seed.pr.gov.br/arquivos/File/livrodidatico.pdf> Acesso em 16 de Outubro de 2014.
[3] O presente termo Críticos Conservadores da Mídia faz referência a uma entrevista concedida pelo linguista Marcos Bagno ao Jornal Universitário do Pampa. Nessa entrevista, o lingüista também cita nomes de alguns desses conservadores, dentre eles está o do famoso gramático Pasquale. Disponível em <http://www.junipampa.net/2013/01/entrevista-exclusiva-com-marcos-bagno.html.> Acesso em 17 de outubro de 2014.