“O homem sentiu sempre – e os poetas frequentemente cantaram – o poder fundador da linguagem, que instaura uma realidade imaginária, anima as coisas inertes, faz ver o que ainda não é, traz de volta o que desapareceu”.

Émile Benveniste

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sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

O RELEVANTE PAPEL DA LEITURA: CONSIDERAÇÕES DE PROUST

Victor Matheus da Silva*

PROUST, Marcel. Sobre a leitura. Campinas, SP: Pontes, 3ª edição 2001.

Marcel Proust, escritor francês nascido no século XIX, dedicou sua vida à arte literária. Proust é autor de ensaio, romances e diversos outros gêneros literários. Em seu livro Sobre a Leitura - inicialmente caracterizado por ser um prefácio do livro Sésame et les Lys do autor John Ruskin-, Proust explora o relevante papel da leitura em nossas vidas, sobretudo na infância. Além disso, Proust utiliza como exemplo o seu próprio contato com o mundo das letras. Em vários momentos, o autor encontra-se em contraposição às ideias de Ruskin, algo raro por se tratar de um prefácio de apresentação.
Inicialmente, Proust relata próprias experiências do seu contato pessoal com os livros na infância. Para tanto, Proust faz uso, em sua narrativa, da descrição minuciosa dos fatos ligados à sua experiência como leitor. Nesse sentido, podemos perceber o uso constante da hipérbole. Porém, é notável analisarmos que há uma intencionalidade que pode ser discutida de um ponto de partida literário, observando o exagero com o viés poético. Porém, o recurso utilizado por Marcel Proust revela-se ineficaz quando é analisado do ponto de vista dissertativo-argumentativo, pois notamos termos desnecessários e/ou repetitivos.
O escritor francês ratifica a importância de interpretar mentalmente o texto. Portanto, podemos compreender a necessidade de meditarmos no que estamos lendo. Nessa meditação estão envolvidos os aspectos de releitura textual e, sobretudo, produção de questionamentos como forma de conhecimento.
Ao longo da narrativa, Proust faz ponderações do hábito cultural de ler tomando como ponto de partida a sociedade na qual o autor está inserido. Vejamos: “Quem, como eu não se lembra dessas leituras feitas nas férias, que íamos escondendo sucessivamente em todas aquelas horas do dia que eram suficientemente tranquilas e invioláveis para abrigá-las.” (PROUST,2001, p.10). Nesse trecho, Marcel Proust generaliza uma cultura que não se revela em diversas sociedades. Porém, podemos amenizar essa generalização por analisarmos os fatores influenciadores da sua própria experiência com o mundo da leitura. Refletindo tanto o hábito cultural da sociedade francesa, quanto o possível hábito familiar herdado pelo autor.
Apesar de discutir a leitura de maneira generalizada, Proust infere o protagonismo textual que a literariedade exerce quando comparada aos demais textos. Podemos perceber esse pensamento no seguinte fragmento: “... o calendário cuja folha da véspera havia sido há pouco arrancada, o pêndulo e fogo que falam sem pudor que se lhes responda, e cujos suaves propósitos vazios de sentido não substituem- como a palavra dos homens – o sentido das palavras que se leem.” (PROUST, 2001, p. 10). Nesse pequeno fragmento, vemos uma discussão metalinguística que corrobora com a própria sequência tipológica textual utilizada pelo autor no livro Sobre a Leitura. Esse pensamento é visto como proveitoso e para identificar os textos literários dentre os textos do cotidiano, cujos sentidos, em sua maioria, seguem uma conotação fixa restringindo o poder que a linguagem pode exercer. Logo, a literatura vem à tona como uma necessidade tipicamente humana, pois nela esquecemos, por um momento, a realidade abrupta que as palavras cotidianas exercem.  Esse fator também é fundamental para emergimos em um novo mundo, sobre o qual nossas impressões, sentimentos e expressões não são cortados por aspectos sociais e institucionais.
Por se tratar de uma narrativa literária, podemos perceber o estilo atemporal do texto. Ao usar esse estilo, Proust convoca todas as pessoas em qualquer tempo a conhecer o impressionante universo da leitura. Marcel Proust também incentiva a leitura na infância. Além disso, Proust vê a leitura como algo terapêutico.
Diferentemente dos demais prefácios, Proust faz diversas ponderações contrárias aos argumentos utilizados na obra Sésame et les Lys  escrita por John Ruskin. Esses contra-argumentos também serviram para dar um status de originalidade tanto à obra, quanto ao prefácio que mais tarde se tornou independente. Segundo Proust, Ruskin enxerga a leitura através de uma ótica conservadora, pois estabelece relações de superioridade entre o leitor e o autor. Para manter-se numa postura contrária ao ideal de superioridade, Proust afirma que o dialogo entre o autor e o leitor deve ser estabelecido desde o primeiro contato com a obra literária. Portanto, é inadequado pensarmos em relações hierárquicas. Sendo assim, Proust estabelece, de maneira implícita, o papel de coautoria que o leitor exerce, pois ao ler necessariamente deposita suas impressões, vivências e conhecimentos.
Ao fazer uma reflexão detalhada da sua infância e de como a leitura exercia um papel de destaque, Proust percebe que na infância excedeu os limites do amor pela leitura por deixar de participar de outros momentos de diversões e lazer. Podemos perceber essa paixão pela leitura no seguinte trecho: “Então, arriscando ser punido se fosse descoberto e ter insônia que, terminado o livro, se prolongava às vezes, a noite inteira, eu reacendia a vela, assim que meus pais iam deitar.” (PROUST, 2001, p. 22). Apesar disso, Proust nos faz entender que esse excessivo apego é totalmente compreensível porque é na infância que excedemos os limites, gastando quase que integralmente o tempo com aquilo sobre o qual nós mais nos identificamos. Além disso, essa vital necessidade, demonstrada com mais ênfase na infância, foi fundamental para o autor se estabelecer enquanto leitor e autor.
            Segundo Proust, a solidão da infância era observada apenas pelas pessoas que o cercavam. Pois, Proust interagia com os personagens ficcionais. Assim, a leitura nos deixa confortável e nos priva da necessidade de fazer algo apenas para agradar o outro. Contudo, Marcel Proust estabelece limites precisos nessa submersão literária, pois além de ter o hábito de ler Proust gostava de refletir, ou, nas suas palavras. “permanecer em pleno trabalho fecundo do espírito sobre si mesmo.” (PROUST, 2001. p. 27).
            Nesse sentido, Em Sobre a Leitura podemos entender que o autor da obra lança intencionalmente detalhes de seu convívio com a leitura na infância para ratificar a importância da leitura como uma necessidade do espírito humano. Proust também classifica o exercício da leitura como ato teraupêtico e não individual, pois necessariamente devemos estabelecer relações dialógicas com os personagens.
            Marcel Proust também enfatiza o efeito estético que o leitor pode produzir ao inferir experiências, momentos e impressões pessoais. Seguindo esse raciocino, ele afirma: “Sabedoria começa onde a do autor termina, e gostaríamos que ele nos desse respostas, quando tudo o que ele pode fazer é dar-nos desejos”; esses desejos que o autor desperta no leitor somente são possíveis porque o texto literário é uma obra de arte e, como tal, inspira “incitações”, pois, “é no momento em que eles nos disseram tudo que podiam nos dizer que fazem nascer em nós o sentimento de que ainda nada nos disseram.” (PROUST, 2001, p. 30-31)
A magia da leitura é entendida por Proust fundamentalmente pela belas formas da linguagem. Ou seja, como a linguagem é discorrida por cada autor. Assim, podemos entender também a própria preferência estética observada nas obras de Proust. Nesse sentido, podemos engrandecer nosso espírito contemplando obras tristes, como, por exemplo, a tragédia de Racine, desde que essas obras nos façam debruçar-nos. Seguindo esse pensamento, Proust conclui: “sente-se ainda um pouco desta felicidade quando se vagueia no meio de uma tragédia de Racine ou de um volume de Saint-Simon. Porque eles contêm todas as formas de belas de linguagem abolidas que conservam a lembrança de usos ou de modos de sentir que não existem mais, marcas persistentes do passado ao qual nada do presente se parece e cuja passagem do tempo sobre elas não faz senão tornar-lhes mais belas as cores.” (PROUST, 2001, p. 48)
            O cerne de o Sobre a Leitura argumenta, de maneira coerente, que a leitura dá acesso às verdades, porém essas verdades são desenvolvidas apenas quando o leitor tem controle sobre sua meditação. Em outras palavras, devemos usar o livro de maneira sábia para não entregarmos nosso espírito completamente a uma obra e perdemos outros momentos igualmente importantes.
            Portanto, vemos que Proust estabeleceu algumas teorias à frente do seu tempo. Por isso, podemos definir o livro Sobre a Leitura como fazendo uso de uma linguagem atemporal. Além disso, por exemplo, a caracterização do conceito formalista de literariedade faz-se presente de maneira indireta em seu livro. Marcel Proust também identifica questões de coautoria por parte do leitor. Esses dois aspectos, mais tarde, no século XX, ganharam uma maior repercussão científica. Sobretudo por essas questões, a obra de Proust ganhou um caráter independente, pois estabeleceu bases referenciais sobre a leitura/linguagem que estão e serão discutidas por um longo período de tempo.

* Aluno da Universidade Federal de Pernambuco, Campus de Recife, Cursando Letras/Espanhol no Centro de Artes e Comunicação.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Gêneros Textuais e suas diversas definições

Diante das diversas questões que compreendem os estudos linguísticos podemos notar alguns aspectos que priorizam a língua como estrutura, outros tantos enxergam a língua como manifestações sociais. Sendo assim, vemos a necessidade de entender o estudo dos gêneros textuais e sua importância para os recentes estudos linguísticos - especialmente no final do século XX e atualmente, no século XXI. Nesse sentido, os gêneros textuais são caracterizados, via de regra, pela necessidade explícita de estabelecer comunicação. Por isso, colocam as relações formais da língua em segundo plano. 

Segundo Luiz Antônio Marcuschi (2003), gêneros textuais são elementos materializados que se definem como entidades sócio-discursivas e formas de ação social. Para compreender os gêneros, deveremos priorizar as relações linguísticas como práticas sociais, colocando em segundo plano, consequentemente, os aspectos estritamente linguístico-estruturais. Nesse sentido, ainda de acordo com Marcuschi (2003), os gêneros textuais são fenômenos históricos profundamente vinculados à vida cultura e social. Eles servem para estabelecer relações humanas, pois todos os textos estão inseridos dentro de um determinado gênero. Sendo assim, os gêneros textuais são incontáveis, pois há todo momento novas demandas comunicativas sociais aparecem. Em via de regra, esses novos gêneros surgem em velhas bases, mas possuem características próprias de funcionamento. Dentro de uma sociedade, são exemplos de gêneros textuais produções orais oeu escritas: e-mail, palestra, blog, etc.