Victor
Matheus da Silva*
PROUST, Marcel. Sobre
a leitura. Campinas, SP: Pontes, 3ª edição 2001.
Marcel Proust, escritor francês nascido no século XIX,
dedicou sua vida à arte literária. Proust é autor de ensaio, romances e
diversos outros gêneros literários. Em seu livro Sobre a Leitura - inicialmente
caracterizado por ser um prefácio do livro
Sésame et
les Lys do autor John Ruskin-, Proust explora o relevante papel da leitura em
nossas vidas, sobretudo na infância. Além disso, Proust utiliza como exemplo o
seu próprio contato com o mundo das letras. Em vários momentos, o autor
encontra-se em contraposição às ideias de Ruskin, algo raro por se tratar de um
prefácio de apresentação.
Inicialmente, Proust relata
próprias experiências do seu contato pessoal com os livros na infância. Para tanto, Proust faz uso, em sua narrativa,
da descrição minuciosa dos fatos ligados à sua experiência como leitor. Nesse
sentido, podemos perceber o uso constante da hipérbole. Porém, é notável
analisarmos que há uma intencionalidade que pode ser discutida de um ponto de
partida literário, observando o exagero com o viés poético. Porém, o recurso
utilizado por Marcel Proust revela-se ineficaz quando é analisado do ponto de
vista dissertativo-argumentativo, pois notamos termos desnecessários e/ou
repetitivos.
O escritor francês ratifica a
importância de interpretar mentalmente o texto. Portanto, podemos compreender a
necessidade de meditarmos no que estamos lendo. Nessa meditação estão
envolvidos os aspectos de releitura textual e, sobretudo, produção de
questionamentos como forma de conhecimento.
Ao longo da narrativa, Proust
faz ponderações do hábito cultural de ler tomando como ponto de partida a
sociedade na qual o autor está inserido. Vejamos: “Quem, como eu não se lembra
dessas leituras feitas nas férias, que íamos escondendo sucessivamente em todas
aquelas horas do dia que eram suficientemente tranquilas e invioláveis para
abrigá-las.” (PROUST,2001, p.10). Nesse trecho, Marcel Proust generaliza uma
cultura que não se revela em diversas sociedades. Porém, podemos amenizar essa
generalização por analisarmos os fatores influenciadores da sua própria
experiência com o mundo da leitura. Refletindo tanto o hábito cultural da
sociedade francesa, quanto o possível hábito familiar herdado pelo autor.
Apesar de discutir a leitura
de maneira generalizada, Proust infere o protagonismo textual que a
literariedade exerce quando comparada aos demais textos. Podemos perceber esse
pensamento no seguinte fragmento: “... o calendário cuja folha da véspera havia
sido há pouco arrancada, o pêndulo e fogo que falam sem pudor que se lhes
responda, e cujos suaves propósitos vazios de sentido não substituem- como a
palavra dos homens – o sentido das palavras que se leem.” (PROUST, 2001, p.
10). Nesse pequeno fragmento, vemos uma discussão metalinguística que corrobora
com a própria sequência tipológica textual utilizada pelo autor no livro Sobre
a Leitura. Esse pensamento é visto como proveitoso e para identificar os textos
literários dentre os textos do cotidiano, cujos sentidos, em sua maioria,
seguem uma conotação fixa restringindo o poder que a linguagem pode exercer.
Logo, a literatura vem à tona como uma necessidade tipicamente humana, pois
nela esquecemos, por um momento, a realidade abrupta que as palavras cotidianas
exercem. Esse fator também é fundamental
para emergimos em um novo mundo, sobre o qual nossas impressões, sentimentos e
expressões não são cortados por aspectos sociais e institucionais.
Por se tratar de uma narrativa
literária, podemos perceber o estilo atemporal do texto. Ao usar esse estilo,
Proust convoca todas as pessoas em qualquer tempo a conhecer o impressionante
universo da leitura. Marcel Proust também incentiva a leitura na infância. Além
disso, Proust vê a leitura como algo terapêutico.
Diferentemente dos demais
prefácios, Proust faz diversas ponderações contrárias aos argumentos utilizados
na obra Sésame
et les Lys escrita por John
Ruskin. Esses contra-argumentos também serviram para dar um status de
originalidade tanto à obra, quanto ao prefácio que mais tarde se tornou
independente. Segundo Proust, Ruskin enxerga a leitura através de uma ótica
conservadora, pois estabelece relações de superioridade entre o leitor e o
autor. Para manter-se numa postura contrária ao ideal de superioridade, Proust
afirma que o dialogo entre o autor e o leitor deve ser estabelecido desde o
primeiro contato com a obra literária. Portanto, é inadequado pensarmos em
relações hierárquicas. Sendo assim, Proust estabelece, de maneira implícita, o
papel de coautoria que o leitor exerce, pois ao ler necessariamente deposita
suas impressões, vivências e conhecimentos.
Ao fazer uma reflexão
detalhada da sua infância e de como a leitura exercia um papel de destaque,
Proust percebe que na infância excedeu os limites do amor pela leitura por
deixar de participar de outros momentos de diversões e lazer. Podemos perceber
essa paixão pela leitura no seguinte trecho: “Então, arriscando ser punido se
fosse descoberto e ter insônia que, terminado o livro, se prolongava às vezes,
a noite inteira, eu reacendia a vela, assim que meus pais iam deitar.” (PROUST,
2001, p. 22). Apesar disso, Proust nos faz entender que esse excessivo apego é
totalmente compreensível porque é na infância que excedemos os limites,
gastando quase que integralmente o tempo com aquilo sobre o qual nós mais nos
identificamos. Além disso, essa vital necessidade, demonstrada com mais ênfase
na infância, foi fundamental para o autor se estabelecer enquanto leitor e
autor.
Segundo
Proust, a solidão da infância era observada apenas pelas pessoas que o
cercavam. Pois, Proust interagia com os personagens ficcionais. Assim, a
leitura nos deixa confortável e nos priva da necessidade de fazer algo apenas
para agradar o outro. Contudo, Marcel Proust estabelece limites precisos nessa
submersão literária, pois além de ter o hábito de ler Proust gostava de
refletir, ou, nas suas palavras. “permanecer em pleno trabalho fecundo do espírito sobre si mesmo.”
(PROUST, 2001. p. 27).
Nesse sentido, Em Sobre a Leitura
podemos entender que o autor da obra lança intencionalmente detalhes de seu
convívio com a leitura na infância para ratificar a importância da leitura como
uma necessidade do espírito humano. Proust também classifica o exercício da
leitura como ato teraupêtico e não individual, pois necessariamente devemos
estabelecer relações dialógicas com os personagens.
Marcel Proust também enfatiza o
efeito estético que o leitor pode produzir ao inferir experiências, momentos e
impressões pessoais. Seguindo esse raciocino, ele afirma: “Sabedoria começa
onde a do autor termina, e gostaríamos que ele nos desse respostas, quando tudo
o que ele pode fazer é dar-nos desejos”; esses desejos que o autor desperta no
leitor somente são possíveis porque o texto literário é uma obra de arte e,
como tal, inspira “incitações”, pois, “é no momento em que eles nos disseram
tudo que podiam nos dizer que fazem nascer em nós o sentimento de que ainda
nada nos disseram.” (PROUST, 2001, p. 30-31)
A magia da leitura é entendida por Proust
fundamentalmente pela belas formas da linguagem. Ou seja, como a linguagem é
discorrida por cada autor. Assim, podemos entender também a própria preferência
estética observada nas obras de Proust. Nesse sentido, podemos engrandecer nosso
espírito contemplando obras tristes, como, por exemplo, a tragédia de Racine,
desde que essas obras nos façam debruçar-nos. Seguindo esse pensamento, Proust
conclui: “sente-se ainda um pouco desta felicidade quando se vagueia no meio de
uma tragédia de Racine ou de um volume de Saint-Simon. Porque eles contêm todas
as formas de belas de linguagem abolidas que conservam a lembrança de usos ou
de modos de sentir que não existem mais, marcas persistentes do passado ao qual
nada do presente se parece e cuja passagem do tempo sobre elas não faz senão
tornar-lhes mais belas as cores.” (PROUST, 2001, p. 48)
O cerne de o Sobre a Leitura
argumenta, de maneira coerente, que a leitura dá acesso às verdades, porém essas
verdades são desenvolvidas apenas quando o leitor tem controle sobre sua
meditação. Em outras palavras, devemos usar o livro de maneira sábia para não
entregarmos nosso espírito completamente a uma obra e perdemos outros momentos
igualmente importantes.
Portanto, vemos que Proust
estabeleceu algumas teorias à frente do seu tempo. Por isso, podemos definir o
livro Sobre a Leitura como fazendo uso de uma linguagem atemporal. Além disso,
por exemplo, a caracterização do conceito formalista de literariedade faz-se
presente de maneira indireta em seu livro. Marcel Proust também identifica
questões de coautoria por parte do leitor. Esses dois aspectos, mais tarde, no
século XX, ganharam uma maior repercussão científica. Sobretudo por essas
questões, a obra de Proust ganhou um caráter independente, pois estabeleceu
bases referenciais sobre a leitura/linguagem que estão e serão discutidas por
um longo período de tempo.